sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Vivendo e...

Sempre me gabei de ter tido infância, coisa que gente que mora em apartamento e soltava pipa no ventilador nunca teve. Está certo que também moro em prédio, mas ele é envolto por todo tipo de árvore, já subi em todas elas mais alto do que posso me lembrar, e levei tombos memoráveis também. Sejam em mangueiras ou jabuticabeiras.

E é das jabuticabeiras que vou falar hoje.

Ontem eu me lembrei que já devíamos estar na época da safra de jabuticaba, coisa que eu sempre aguardei ansiosamente. Aí então, depois de uns 6 anos de abstinência, resolvi subir em uma das árvores, com uma sacola na mão e um par havaianas no pé.

Quando eu era criança os chinelos ficavam largados pelo chão, e ontem nem pensei em me desfazer deles. Sacola era coisa de mulherzinha, a jabuticaba que nós pegávamos era pra comer por ali mesmo, empoleirados, sujos e felizes. As cascas que ficassem pelo chão.

Antes de subir eu já havia notado que quase não havia frutas, e foi como um atestado de que o tempo está realmente passando. Quando eu era pequena sabia a época de todas as frutas, e passava a tarde inteira na copa das árvores junto com todas as outras crianças. Mas lá estava eu, apenas acompanhada do Morrison, das havaianas e duma sacola até então vazia.

Já não sei mais subir em árvores, e quando subi, fiquei entre o medo e a superação. Ali estava eu, diante de um desafio que não passava de hábito antigamente, executado com destreza. Mas o medo venceu, cansei da aventura e resolvi voltar para o conforto da minha cama.

No meu quarto eu não teria que encarar nenhuma frustração alheia, nenhum olhar de reprovação. Eram apenas a sacola com as piores jabuticabas que já tomei conhecimento e eu.

Zoroastro

"Mariana:
Essa tem o carisma, isso lá ela tem
generosa com todos, mas tola com ninguém."

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Breathe, breathe in the air.

Meu pai nunca foi daqueles que forçam uma cultura musical para os filhos, mas não pude deixar de perceber o orgulho contido que ele teve quando eu comecei a ouvir Beatles a um tempo atrás, e agora, quando eu comecei a ouvir Pink Floyd.
Outro dia, viajando, estava tocando o Dark Side, e começamos a cantar junto Breathe. Isto valeu por todos os outros dias em que a conversa saía forçada, ao mesmo tempo em que ele buscava me entender e eu já não entendia mais nada, tudo funcionando como tópicos: escola, inglês, teatro, vestibular e o tempo. Mas de repente estávamos nessa sintonia que eu não sentia com ele há muito tempo, uma espécie de alívio por ter encontrado um ponto em comum. Finalmente entendi tudo sobre a figura do meu pai: anseios, passado e futuro.
A música substituía a parca conversa de antigamente, enchia o carro com sons e cores; e isso bastava. Assim fomos a viagem inteira, em silêncio, até o fim da última música, Eclipse.
Nessa hora ele me olhou, deu um sorriso sincero e começou a me contar sobre os seus vinis do Pink Floyd, deixando transpassar nada menos que o mais puro carinho pelos momentos de sua juventude e por poder compartilhar tudo comigo naquela hora. Foi aí que nos encontramos no lado escuro da lua, e ele me entendeu também. :)
Chegamos em casa, nos infiltramos na rotina diária novamente, e o fato ocorrido no carro tornou-se apenas mais um fato. Entretanto o efeito que me causou naquela hora o reconhecimento do meu pai, olhá-lo por segundos e recuperar a tranqüilidade, isto persiste até hoje.