sábado, 30 de maio de 2009

3ª Pessoa do Singular

Minha mãe dizia que para se conhecer uma pessoa é preciso casar-se com ela. Logo depois, com uma pitada de desilusão, ela diz que as pessoas só se conhecem na separação. Mas não é necessário ir tão longe, basta uma reunião social com alguns patês e coca-cola para que os tipos humanos se revelem.

A oportunidade hoje foi inigualável para observar a desenvoltura das pessoas sem ser notada, era a festa surpresa da irmã da amiga da minha irmã (pausa para o entendimento das complexas relações).

Costumo dizer que da mesma forma que a nossa vida é estratificada pelos anos escolares, ela facilmente também seria pelas festas: a de aniversário de 1 ano de idade, de debutante, de formatura, casamento e dos filhos, recomeçando o ciclo; e um recorrente funeral para finalizar. As pessoas da festa estavam na parte que permeia entre a festa de formatura e o aniversário dos filhos, e como era de se esperar, os passos inseguros das crianças eram o principal foco de atenção de todos, seguido pelas recentes aquisições do prédio, e a bagunça de certos moradores.

Eram muitos papais corujas, outros, nem tanto; mamães preocupadas e sorridentes, por mais paradoxal que isto pareça; solteiros que tentaram se entrosar com os bebês e com os demais solteiros. Os amigos que ajudaram a distribuir a cerveja e os que aguardaram na mesa; os piadistas e o que insistia em contar o problema de manutenção do galpão G6 da fábrica; e esta observadora que vos escreve, que encontrou um olhar no outro lado da mesa: o da aniversariante desconhecida, sutilmente ignorada até então.

- Oi! Feliz aniversário, hein, ... irmã da Patrícia.
Um poço de simpatia.

Depois desse infeliz incidente, não sei se minha irmã ainda me levará para os encontros com os amigos dela. Talvez, se eu decorar os nomes dos aniversariantes, ainda tenha mais uma chance para analisar desconhecidos clandestinamente.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Apesar dos pesares

Evoco os prazeres simples.
Uma tarde amena, com o pôr do sol em tons delicadamente alaranjados. O dia se vai confortável, quente, mas sem o demasiado calor dos primeiros meses do ano. Um cappuccino de receita própria; mais do que o sabor que aquece e agrada cada célula do corpo, um orgulho contido pelo sentimento de “eu que fiz”. A música favorita, que tocou no modo aleatório do mp3, com a chance de 1/286; ou, para os tarados em porcentagens, 0,0035%.
Um recém nascido que chora baixinho bem longe, o telefone que toca trazendo boas notícias, restos da torta doce do fim de semana e um livro para iluminar e engrandecer a tarde.
Nada semelhante a agitação de uma segunda-feira, conversas, barulho, poluição; tudo perde a proporção real perto do momento quase perfeito provocado pela mais aleatória das combinações. Não importa os problemas cotidianos, relevantes e imensuráveis. Parece que pelo menos o acaso está conspirando ao meu favor, e não dá para evitar um sorriso - tímido, é verdade – que insiste em se desenhar em meus lábios.

Tinha um surrão todo de penas cheio...
Um peso enorme para carregar!
Porém as penas, quando o vento veio,
Penas que eram... esvoaçaram no ar...

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Sempre tem uma primeira vez

Eu devia ter uns 9 anos, era a festa de final de ano da empresa do meu pai, e nós, querida família unida que somos, fomos prestigiar o bom ano da empresa do papai. Após o churrasco e os anúncios, me perdi no parquinho com outras crianças, e fiz uma amizade em 5 minutos com uma garotinha. Eis uma habilidade que me arrependo todos os dias por ter perdido; quando nós éramos crianças, fazer amigos era extremamente fácil, contanto que a criança pudesse nos acompanhar nas estripulias tudo estava certo, não havia este tanto de critérios e picuinhas que nós vamos adquirindo com a idade. Nós duas brincamos a tarde inteira, trocamos telefone e confidências. Quando já era hora de ir embora, ela me perguntou: “O que seu pai faz?” “Ele é o diretor da fábrica. E o seu?” “O meu é o porteiro.” Até aí tudo certo; Mas ela resolveu me apresentar para a mãe, com as devidas observações a respeito do cargo do meu pai na empresa. O pai dela também foi reportado da mais nova amiga de sua filha, ficamos conversando por alguns minutos, até que meu pai veio me buscar para ir embora. A bajulação com que eles se cumprimentaram não foi normal, muito menos os gracejos da mãe da minha amiga. Naquele momento, eu notei que eles não se tratavam como nós duas nos tratávamos, e essa disparidade social apareceu pela primeira vez na minha vida, como algo estranho, que parecia fora de lugar depois de um dia inteiro de diversão.
Grande Merda.

sábado, 9 de maio de 2009

Retratada

Em meio a poeira e a cacos de vidro, tinha cabelos pelo chão. Não apenas os seus, compridos e anelados. Eram fios curtos em sua maioria, lisos e encaracolados, negros e grisalhos. Formavam a teia do que já havia acontecido entre aquelas paredes.

Asco seria a palavra correta, mas não fazia parte de seu parco vocabulário, que cultivava em poucas conversas, todas semelhantes em sua essência. Mas nojo bastava.

Era puro nojo; do perfume doce que usava e das roupas vulgares que ostentava. Era um retrato que pintava todas as noites, um papel que desempenhava no circo da avenida escura. E a cada noite abrigava os vários espectadores, sendo a frágil criatura dos acolhedores, mulher para os poucos homens e a mãe da maioria insegura, que a exaltava para rebaixá-la na primeira oportunidade.

Nunca papéis brancos, nem cartas limpas. O jogo era sujo, mas sempre levava o pote da rodada no fim. Sem muito orgulho ou opção, sobrava-lhe apenas resignação.

Contudo, ela tinha plena certeza da sua arte, e sabia voltar a realidade nas horas matutinas. A consciência estava limpa, e lá dentro ela pairava, lívida: Eu escolhi.

terça-feira, 5 de maio de 2009

5 6 7 e 8!


Dentre os membros da família Borges, se encontram em peso os pés-de-valsa. Eles são da pior espécie, dos que não podem ouvir um som mais ou menos harmônico para já se empolgar nos pulinhos animados e passos nada modestos. Só que eu tive a infelicidade de pertencer a minoria estraga prazeres, que aquece lugar nas festas de família e sempre é coagida a dançar apenas no final, quando toca macarena.
Mas a vida, ah, a vida é uma caixinha de surpresas, e acabei sendo de uma turma que faz da dança o filão de união da série. Todos dançam, e os que não dançam se arrependem. Sob uma rigidez quase militar, a turma rege os ensaios por mais de um mês, prepara uma coreografia impecável, bola um painel que ilustra a dança, sem esquecer-se do figurino e da música.
Além do mais, há uma competição entre o ensino médio, então dança é coisa mais do que séria. É a honra do terceiro ano que está em jogo. A minha série ganha os campeonatos desde sempre, e esse, nosso último ano, última dança, últimos xingos e último frio na barriga, era mais do que especial.
Então, no último dia 29, devidamente maquiados e ensaiados, lá fomos nós. O tema era o conto O Alienista, de Machado de Assis. Os adversários estavam muito melhores este ano, e o medo entrou junto com a ansiedade na hora da apresentação. E fomos todos em busca daquela expressão final, que reunia todos os ensaios, todos os choros e dores na perna. O dever foi cumprido, mas não apenas o nosso. Pela primeira vez, os invictos alunos do terceiro ano perderam, e feio. Ficamos em terceiro lugar, merecido e rejeitado, todos confortados em abraços e revoltados, simultaneamente.
Não fiquei muito tempo além do necessário para presenciar as lágrimas generalizadas, até porque, meus olhos estavam tão marejados que mal enxergava meu próprio caminho. Não era só dor de orgulho ferido, era frustração acumulada por seis anos, custávamos a acreditar. Mas esta mesma turma que sempre comemorava junta, soube perder junta, e a derrota acabou tendo mais significação que alguma recorrente vitória. Seguimos em frente, e ao invés de única turma do Colégio Militar de Belo Horizonte que ganhou todos os campeonatos de dança, somos a maior zebra que eu já ouvi falar.